sexta-feira, 19 de setembro de 2008

DESPENSEIRO DA GRAÇA

1 Pedro 4:10 Cada um administre aos outros o dom como o recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus.
1 Coríntios 4:2 Além disso, requer-se dos despenseiros que cada um se ache fiel.

A palavra “despenseiro”, conforme nos mostra os dicionários deriva de “despensa” que é o lugar onde se arruma, armazena os víveres de uma casa. O despenseiro, portanto é aquele responsável pelo controle e arrumação destes víveres na despensa. Todavia, me parece insuficiente recorrer a esta analogia para explicar o que significa ser despenseiro da graça de Deus.

Por via de conseqüência, entender o que é ser um “despenseiro” me parece simples, todavia, não posso, com eficácia, esclarecer o que significa ser “despenseiro da graça” sem antes dizer o que é “graça”. E não dá para dizer nada sobre a graça sem falarmos sobre a fé e, como veremos, não dá para tratarmos sobre fé sem antes entendermos a criação na sua gênese. Significa que para entendermos a graça da qual somos despenseiros, precisamos nos remeter ao principio de tudo.

Assim sendo, preliminarmente posso dizer que na criação – céu e terra – não há um sentido em si mesma, pois sua finalidade reside na posterior criação do homem. Nada do que foi criado tem qualquer sentido de existir sem o homem (Cf. Gn. 1: 26,27). Tudo o Criador sujeitou ao homem, de modo que desde o momento em que se fez compreensível ao criar, sua pretensão maior era o homem. Todavia, a recíproca não é verdadeira, pois a essência do homem, sua finalidade reside em Deus, já que fomos criados para nos completarmos nele em obediência.

Após a queda, cabe esclarecer que o próprio Deus afirma ter o homem se tornado igual a ele, no sentido de conhecer o bem e o mal. Significa que após a queda o homem assume o senhorio de si mesmo por haver rompido com Deus, se fazendo deus. E assim sendo, passa a não admitir outro deus, razão pela qual rompe com o homem também. Poderíamos chamar o homem decaído de "homem deus".

Ressaltamos ainda que, embora não conhecedores do bem e do mal, o casal foi conscientizado do que era certo e errado. Por isso a queda é muito mais que comer do fruto, mas, além disso, significou a desconsideração pelo homem da sua essência e dependência de Deus por pretender se igualar a Deus e viver por si mesmo. Logo, a vida que hoje vivemos é ao mesmo tempo a “morte certa” em virtude da não obediência a sua vontade e é a “vida” resultado das nossas próprias vontades, da qual não podemos nos queixar.

Contudo, é de suma importância que saibamos que tudo que tratamos até aqui, antecede a queda. Pois hoje não nos relacionamos com Deus por meio da obediência pessoal, mas por meio da fé, pois na condição de decaídos não podemos agradar a Deus por nós mesmos.

Significa que a fé desencadeia em nós um processo, que nos permite, pelo seu autor e consumador, a saber, Jesus Cristo, uma relação direta com Deus por ser Deus o próprio Cristo. De modo que a fé, em nós, substitui a obediência de Adão validamente. Sem desconsiderar, claro, que a fé que nos é dada, resulta da obediência do Cristo não nossa. A dívida paga, à justiça de Deus, que não pudemos pagar era a obediência. Hoje, obedecemos por fé.

Ora, se a vida para Adão resultava de sua obediência pessoal, estamos dizendo que a vida não era um direito, mas era mantida por um direito, pois o único meio de perdê-la seria desobedecendo, como aconteceu.

A vida sempre procede do criador, a saber, O Cristo. Dada ao homem, na gênese da criação “como” um direito; a posteriori, devolvida ao homem, após a queda por meio da sua graça. Tanto de um modo, quanto de outro, só há vida nele, Ele é a vida. Neste sentido, a vida não é nem um direito, tampouco uma graça, mas ambas são formas utilizadas por Deus para dar vida ao homem. A primeira, como já dito, no principio de tudo, e depois a graça em virtude da queda.

A graça de Deus, portanto, nestes termos, é o resultado último do processo que se inicia em nós por meio da fé, pois a vida é o fim último da fé, que não vem de nós é dom de Deus, pois somos salvos por ela que antecede e permite a graça de vivermos novamente em Deus, pelos méritos do Cristo, não nesta vida, que resulta das nossas vontades e desobediência, mas para vivermos em Jesus por meio dele mesmo, isto é, da fé.

Já entendendo – espero – que a fé antecede a graça, uma conclusão disto merece relevância, pelo que passo a aduzi-la: Ora, a justiça de Deus, enquanto criador, já que ser criador não o torna mais Deus, resulta da sua própria palavra, ao restringir o homem, conforme sua imagem, de comer do fruto do conhecimento do bem e do mal afirmando categoricamente que se assim procedesse “certamente morreria”. Ser justo, portanto, significa condenar a criação em face da desobediência.

Isto ocorreu porque o amor de Deus não o contraria. Por isso, se fez necessário o sacrifício do Cristo, pois não poderia desconsiderar sua própria palavra e simplesmente não “matar” e descumpri-la. Para não ficar apenas nas minhas palavras, leia os textos bíblicos abaixo: No livro de Romanos no Cap. 5: 1 e 2, assim nos ensina Paulo: Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes; e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus.

Ainda no livro de Romanos, continua Paulo no Cap. 8:24 e 25: Porque, na esperança, fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos. Já no livro de Hebreus, temos uma clara explicação sobre o que é fé: Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem.

No livro de Tiago Cap. 1:2 podemos ler o seguinte: Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação a vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Voltando para o livro de Romanos no Cap. 5, temos a confirmação do que afirma Tiago, nos versos 3 e 4: ...mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; a experiência, esperança.

No livro do Apóstolo Pedro, em sua primeira carta, ele afirma o seguinte, nos versos 6 – 9: Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações, para que, uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo; a quem, não havendo visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória, obtendo o fim (finalidade e término) da vossa fé: a salvação da vossa alma.

Não podemos nos justificar por nossas próprias obras, embora disso já saibamos. Mas se observarmos o que narra os textos acima e devidamente adentrarmos em seus contextos vamos nos aperceber que a fé se limita apenas a esta vida, pois sua finalidade está para reverter a nossa morte nos fazendo produzir frutos antes impossíveis em virtude da nossa atual condição de decaídos.

A fé pretende produzir em nós vida, já que estamos mortos. A fé, portanto é o instrumento que nos faz deixar de ser deuses, rompidos com Deus e com o outro, fazendo-nos iguais: De fato, sem fé, é impossível agradar a Deus.

Diante de tudo que até aqui se aduziu, posso dizer que despenseiro da graça é aquele que ama porque recebeu de Deus este amor; que perdoa porque já foi perdoado por DEUS; que não julga porque não há de ser julgado, já está salvo; nada o eleva, tampouco o diminui, porque simplesmente se enxerga com sinceridade, sabendo que em si mesmo não há perfeição, mas deve sempre haver sinceridade; não leva “sentenças” para as pessoas, já que se compreende merecedor de condenação também, mas a verdade do evangelho em sinceridade e compaixão; que deseja não praticar o mal não por hipocrisia, mas por amor, sabendo que nossas praticas não podem nos justificar diante daquele que justifica a quem quer; e por fim, que não é nada em si mesmo, pois tudo que é, por menor que seja, procede daquele que é tudo em todos.

Ser despenseiro graça significa ser despenseiro de uma esperança viva que há de se revelar em dia e hora que só pertencem a Deus. É esta viva esperança que produz em nós Paz. Cessada está a guerra, não mais somos inimigos de Deus, mas reconciliados por meio dele mesmo, temos paz presente para que possamos aguardar, certos e convictos pela vida eterna, produzida pela graça de Deus, manifestamente salvadora.

Que Ele produza em nós verdadeiros celeiros da sua graça vindoura, fruto da fé presente a fim de tenhamos paz com Ele e com os outros.

Amém!



Maurício J. S. Irmão
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