segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Caim e Abel, homens como nós!


A narrativa destes dois filhos de Adão e Eva consegue nos expressar bem o que aconteceu depois da queda; questionamento aparentemente sem resposta reside no porque da aceitação de Abel e mais ainda, na rejeição de Caim.

Não há nada na Bíblia que indique que o sacrifício de Abel tenha sido mais bonito, ou melhor, muito menos nada que super qualifique a atividade de quaisquer dos dois que pudesse dar critérios a Deus para fazê-lo aceitar ou rejeitar a oferta de um ou do outro. Não havia nada na oferta de ambos que tornasse uma melhor que a outra.

Para nos esclarecer o que houve naquele episódio, o apóstolo Paulo no livro de Hebreus passa a falar com muita profundidade sobre a fé e diz: “De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam” Hb. 11.6.

Continua Paulo falando no mesmo capítulo no verso 4: Pela fé Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim; pelo qual obteve o testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus quanto às suas ofertas. Neste sentido, podemos ainda usar o que nos ensina o livro de I João, capítulo 3, versos 11 e 12 que diz: Porque a mensagem que ouvistes desde o principio é esta, que nos amemos uns aos outros; Não segundo Caim, que era do maligno e assassinou seu irmão; e porque o assassinou? Porque as suas obras eram más, e as de seu irmão, justas.

No livro de Romanos, especificamente no capítulo 5, entendemos que a fé é que nos justifica para a vida eterna, concedida não por direito, mas por graça. A fé salvadora confirmada no sangue do cordeiro, nosso Senhor Jesus Cristo, autor e consumador da nossa fé.

A fé, em sua essência, é o meio pelo qual o homem se reaproxima de Deus por intermédio de Jesus Cristo. É admitir que a salvação não reside em nós e que não é alcançada pelo que fazemos. As nossas boas obras, sem fé, isto é, sem uma relação com Deus é abominação. É o que fundamenta a nossa esperança e nos faz ter convicção do que cremos. É por meio dela que alcançamos vida eterna, pois antecede a graça. O favor divino é a vida pela graça, resultado último da fé. É ela que inicia e dá prosseguimento ao processo de santificação, sem a qual bem sabemos não veremos a Deus. Posso sintetizar da seguinte forma:


a) A fé: Com a queda o homem, ao menos no sentido de conhecer o bem e o mal, se igualou a Deus, cf. cap. 3. v. 22, que diz: “O homem agora se tornou como um de nós, conhecendo o bem e o mal”. A fé, portanto, desencadeia um processo de purificação no homem, pelo qual deixa de ser “Deus”. Por isso, a renúncia é tão forte no discurso de Jesus Cristo. O processo denominado de santificação ou de purificação se fundamenta na fé que não vem de nós é dom de Deus a fim de que ninguém se glorie (Efésios 2.8), mas do Senhor Jesus. É essencialmente o que fundamenta a nossa esperança, isto é, o que nos faz crer que mesmo merecendo a morte teremos vida eterna em Jesus Cristo.

b)A graça: Enquanto, no Éden antes da queda, Adão se mantivesse obediente, jamais Deus o mataria. Neste sentido, a vida no Jardim do Senhor representava um direito, tornando o próprio Deus descumpridor da lei caso retirasse do homem a vida sem que pecasse, pois neste caso se tornaria tão injusto quanto nos tornamos com a queda. Portanto, diferentemente de Adão que gozava a vida por direito, nós só a teremos pela graça, pois o direito perdido por Adão foi resgatado por Jesus que obedeceu (Filipenses 2:8) até a morte para resgatar a vida e se entregou na cruz do calvário para, numa sentença comum, poder nos devolvê-la, não mais como um direito mas como um favor, portanto, sem merecimento ou como nos ensina Paulo, pela Graça mediante a Fé. Cf. Romanos cap. 5, v. 1-3.

c) No livro de João capítulo 15, v. 19, Jesus orando disse: Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia. Aprendemos que a aceitação de Deus gera a rejeição do mundo. A morte de Abel esclarece que não se pode ser aceito por Deus e pelo mundo, pois são completamente distintos por isso auto-excludentes.



Após o assassinato de Abel, Deus do mesmo modo como questionou a Adão no Éden sobre onde ele se encontrava (cap. 3.9,10), perguntou a Caim sobre seu irmão (cap. 4.9). Se observarmos as duas respostas, o medo do primeiro e a ousadia do segundo poderemos verificar como a rebeldia havia se multiplicado no coração do homem tão rapidamente.

Contudo, sabendo que a morte de Abel é resultado da aceitação de Deus não admitida pelo mundo, duas atitudes de Deus em relação a Caim merecem maior reflexão. Na primeira, Deus o cientifica da sua condição: maldito! (4.10,11); na segunda, após o reconhecimento de Caim da sua impossibilidade de perdão, (4.13,14) dizendo que quem com ele se encontrasse o mataria, Deus no verso 15 responde o seguinte: Assim qualquer que matar a Caim será vingado sete vezes. E pôs o Senhor um sinal em Caim para que o não ferisse de morte quem quer que o encontrasse.

A pergunta que se insurge é a seguinte: como Deus poderia fazer uma “aliança” com Caim mesmo em vista da sua rejeição e maldição?

A resposta que encontramos parece-nos simples quanto ao entendimento e ao mesmo tempo profunda para as nossas vidas. Vejamos: Relembro que o que tornava as obras de Abel justas não se originava nele, mas em Deus, pois não há no homem decaído nenhuma qualidade destituída de Deus (Hb. 11.4). Digo que deste ponto de vista, nada de diferente havia entre Caim e Abel. O gesto de Deus não particulariza Caim, pois este pacto de paz entre Deus e o mundo é reafirmado por Deus com toda a criação decaída quando Noé, ao receber a ordem de Deus sai da arca com sua família.

A mesma fé que fundamentou as obras de Abel e que nos justifica imerecidamente aos olhos de Deus não nos confere posição de julgadores, mas a de amantes do nosso próximo sem que façamos distinção ou acepção de pessoas por nossa igualdade; não nos diferencia do mundo quanto a nossa humanidade e queda, mas por um atributo seu: Fé. Portanto, não havia nem há quem pudesse exercer juízo sobre Caim na terra. Embora o ato de Caim tenha sido destituído de fé, isto não o torna inferior a nenhum outro ser decaído, nem nos torna melhores do que ele. Somos tão decaídos quanto Caim e Abel foram. Devemos ter em mente que não é o trigo que se separa do joio, mas o semeador que a seu tempo procederá à divisão.

Pensa nisso!
 
Sem. Maurício Irmão - SPN
Escrito em 21/11/2007